Opinião
Aconteceu no sábado à tarde
Por Evoti Leal
Barbeiro e escritor
Fui a um supermercado que fica a apenas duas quadras e meia de minha residência. Saindo de casa, dobra-se a primeira esquina à esquerda, vai-se até a próxima, vira-se à direita e na esquina seguinte é onde está situado o estabelecimento comercial.
Assim que dobrei a segunda esquina, tendo dado uns dez passos apenas, escutei um barulho estranho e um gemido meio alto. Olhei para trás e vi que havia ocorrido um acidente. Tentando entender o que se passava, vi que algumas pessoas que estavam mais próximas correram para o local onde estava uma possante caminhonete pick-up, parada bem no meio do cruzamento. Pude ver, então, uma moto caída à sua frente, junto à roda dianteira direita.
A motorista do carro desceu e juntou-se ao grupo de cinco ou seis pessoas que já tentava retirar, de sob a motocicleta, a jovem que a pilotava, tendo uma de suas pernas ainda presa sob a mesma.
Retiraram-na dali, sob fortes protestos de um cidadão que pedia para que ninguém mexesse na moça, até que viessem os socorristas, que já haviam sido acionados, pelo celular, por uma jovem que chegara rapidamente ao local.
A motociclista, apesar de aparentar ser muito nova de idade, enquanto gemia de dor, perguntava a uma jovem de pouco mais de quinze anos se ela estava bem, se havia se machucado muito.
Não, ela não sofrera nenhum arranhão. Era sua filha, fiquei sabendo em seguida, pois a própria condutora ferida dizia, em tom de revolta:
- "Poderíamos ter morrido, eu e minha filha!"
Alguém perguntou à motorista da caminhonete se a jovem da moto havia furado o sinal. Foi aí que me surpreendi grandemente, ouvindo da senhora, de mais ou menos uns 70 anos:
- "Não! Fui eu que avancei o sinal... Vi que o sinal tinha amarelado, mas achei que dava tempo. Só que já estava vermelho quando atingi o cruzamento e a moto surgiu à minha frente. Pisei no freio, mas já era tarde e acabei batendo."
Uma pessoa perguntou:
- Então a senhora foi quem furou o sinal vermelho?
Ela respondeu, com muita serenidade na voz:
- "Sim, fui eu. Eu dirijo há 50 anos e nunca aconteceu isso. Dirijo com cuidado, mas dei bobeira! Mas eu vou pagar todo o prejuízo e dar toda a assistência necessária pra ela" (a moça da moto).
Outro transeunte curioso perguntou-lhe:
- "A senhora tem seguro?"
- "Não", respondeu ela. O meu seguro venceu. O do meu carro eles nem fazem mais, por ser ano 2001. Eu sempre faço o seguro contra terceiros, mas desta vez ele venceu e não o renovei ainda."
Cinco minutos depois, chegou a viatura do Samu.
Então parabenizei à senhora, causadora involuntária do acidente, por assumir publicamente a responsabilidade que lhe cabia, coisa bastante rara em episódios dessa natureza.
A jovem, transportada para a calçada por um motoboy que presenciara a cena do choque, dizia, inconformada:
- Cara! Como é que pode? De repente muda tudo na tua vida! Eu podia estar morta! E a minha filha também! Como é que uma pessoa faz isso?"
E repetia:
- "Eu poderia ter morrido!"
Então, aproximei-me e lhe disse:
- "Amiga, se acalme. Você está viva e sua filha está bem, isso é que importa. Não pense no que poderia ter acontecido e sim no que não aconteceu."
Ela me olhou nos olhos e falou, com feição de quem concordava realmente:
- "Claro; o senhor tem razão"...
Este fato se deu na tarde de sábado, dia 3 de fevereiro, em Pelotas. Achei que seria importante registrar e comentar o que vi e ouvi.
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